sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Vida Sob Influência do Espírito Santo

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Leiamos o Evangelho segundo João, 20.19-23

Ao cair da tarde daquele primeiro dia da semana, estando os discípulos reunidos a portas trancadas, por medo dos judeus, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “Paz seja com vocês!”. Tendo disso isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se quando viram o Senhor. Novamente Jesus disse: “Paz seja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu os envio. E com isso, soprou sobre eles e disse: “Recebam o Espírito Santo. “Se perdoarem os pecados de alguém, estarão perdoados; se não os perdoarem, não estarão perdoados”.

O Cristo ressurreto “respira fundo”[1] e sopra o Espírito Santo na sua comunidade reunida. O relato de João sobre o sopro de Jesus nos remete para a gênese da formação do ser humano, embrião da comunidade adâmica (Gn 2.7). Deus sopra seu fôlego nas narinas do homem (adam) que acabara de formar do pó da terra (adamah). Nos relatos das origens atestamos Deus criando as pessoas para viver em comunidade (Gn 1.27,28; 2.18-25). “Não é bom que o homem esteja só” é a razão de Deus formar a mulher para sua companhia e ajuda. Conseqüentemente, através da primeira família Deus dá inicio a humanidade. Nascemos em comunidade, crescemos em comunidade e morreremos em comunidade.
João estava iniciado nestes termos. Mas acrescenta um tom diferente. Além da vida biológica acrescenta a idéia de uma nova vida. A vida recebida do Salvador Jesus. A vida com o “fôlego” do Espírito Santo. Em João o fôlego de Deus Criador que dá vida, singularidade e origem a comunidade adâmica é identificado como o fôlego de Jesus Deus-Salvador que dá vida espiritual e eterna a Igreja. O evangelista João nos inicia na comunidade que recebe o sopro – Espírito – de Jesus: a Igreja.
O Espírito de Jesus soprado sobre seus discípulos inaugura uma nova comunidade na Terra. Jesus nos convida a participarmos desta comunidade que recebe seu Espírito Santo. O ser humano só encontra vida, harmonia social e existencial e propósitos onde Deus está inserido. Neste caso, Deus é inserido por Jesus dentro das pessoas, ou seja, por Cristo Deus em nós. Somos convidados a assumir nosso lugar na comunidade sagrada que recebe o Espírito Santo.
A presença do Espírito Santo nos discípulos de Jesus marca uma transformação de ordem, realidade e identidade. A comunidade adâmica tornou-se independente de Deus ficando a mercê de sua própria sorte (Rm 1.18ss). As conseqüências decorrentes do pecado foram separações, gerando desordens, caos e desajustes espirituais, existenciais, sociais, físicos e cósmicos (Rm 3.23; 6.23; 8.19-22; Ef 2.1-10). Criados em santo amor para liberdade e comunidade, tornamo-nos escravos [do pecado] e alienados [de Deus e sua Criação]. Mas há esperança. A esperança para libertação do pecado e suas conseqüências está em Jesus Cristo.
O evangelho segundo João tem como propósito revelar em Jesus a restauração desta comunidade (Jo 5.24; 20.30,31; Rm 5.12-21). Nesta comunidade de Jesus é inaugurada uma nova criação de Deus (2Co 5.17; Ef 4.23,24). Comunidade que passou da morte (nekros) para a vida (zoe). O propósito do evangelho segundo João é descrito na interpretação do escritor após o relato daquela tarde da ressurreição: levar-nos a crer em Jesus, a Palavra [Verbo, logos] encarnada. O prólogo joanino atesta que aqueles que receberam a Palavra da Vida se tornaram filhos de Deus, nascidos do Espírito Santo (Jo 1.10-14).
Conforme Dodd, em consenso com grande parte dos estudiosos, o proêmio joanino é composto de duas partes[2]. O prólogo (1.1-18) e o testemunho (1.19-51). Os quatro Evangelhos, em seu início, mostram uma figura preliminar à pessoa de Jesus, a testemunha da boa-notícia da vinda do Messias: João, o batizador. João evangelista (em conjunto com Marcos) apresenta João “Batista” no caráter de uma testemunha. Nos lábios desta testemunha encontram-se as palavras do livro de Isaías. Sua missão não é apenas predizer a chegada do Messias, mas apontar Jesus como tal. João Batista compreende que Jesus, seu primo, é o Messias. João Batista testificou a presença do Espírito em Jesus (Jo 1.32-34).
O Espírito Santo desceu sobre Jesus e permaneceu nele, conferindo-lhe a identidade messiânica. Por causa da presença do Espírito em Jesus é que derivam os sinais que se seguem nos escritos joaninos. Sendo que, cada sinal, tem como objetivo sinalizar a chegada do Messias[3]. É através do Espírito Santo que a identidade de Jesus é sinalizada. Jesus é o iniciador da nova ordem do Espírito. Está testemunhado pelas Escrituras Sagradas dos judeus, nosso Antigo Testamento, pelo “último representante da sucessão profética” – a saber, João Batista, e pelos apóstolos escolhidos de onde se derivam os escritos cristãos e a continuidade da missão evangélica (Jo 17.20,21; 2Tm 3.16,17; Ef 2.8,9).
Somos dependentes da iniciativa, sustento e confirmação da Palavra de Deus. Somos dependentes da Palavra criadora, salvadora e santificadora que existe e subsiste sem sequer termos existidos ou tido conhecimento dela. Somos dependentes da aplicação pessoal do Espírito da obra da cruz e da ressurreição em nós (1Co 12.13; Ef 1.13,14). Salvação é obra única e exclusiva do Espírito. O novo nascimento é a prefiguração da ressurreição pelo Espírito. Nossa vida em Jesus deve ser na mesma dependência e relação com o Espírito Santo.
O Espírito Santo não é um coadjuvante de uma ação central, ele é a ação central de Deus. Espírito e Palavra apresentam a mesma ligação orgânica. Espírito e Palavra encarnada, Jesus, da mesma forma, apresentam a conexão e unidade trinitária (Jo 17.11,23). O Espírito que se movia (merahepet) na pré-criação, dando ordem ao caos (tohu e bohu) e é soprado da boca do Criador na formação e gênese da comunidade adâmica (humanidade) é o Espírito que desce e permanece em Jesus e é soprado de sua boca na gênese e formação da comunidade cristã, a Igreja de Cristo.
A obra do Espírito Santo na vida da comunidade dos discípulos de Jesus é formar neles, em nós, a identidade de Jesus; é nos capacitar para o cumprimento da missão de Cristo (“que o mundo creia que tu me enviaste”, cf. Jo 17.3,21). O Espírito Santo está restaurando nossa vida corrompida pelo pecado, gerando as qualidades de Deus visíveis em nós, mortificando nossa natureza adâmica corrompida pelo pecado e nos conduzindo em triunfo (Jo 14.26; 16.8-13). O Espírito Santo é a presença de Jesus em nós para realizarmos a obra de Jesus e nos comunicarmos com ele (Jo 14.12-14; 16.26,27; Rm 8.26).
“Recebam o Espírito Santo”, é dito por Jesus como sinal do cumprimento das profecias messiânicas e dos fins dos tempos; naquela tarde Jesus cumpriu sua promessa (Jl 2.28-32; At 2.14-24). “Recebam o Espírito Santo” é dito por Jesus quando a comunidade estava reunida. Na versão de Lucas, narrando a descida do Espírito Santo, a comunidade estava reunida “num só lugar” (At 2.1). A Igreja é uma comunidade. Somos uma comunidade, não fomos criados para viver sozinhos. “Recebam o Espírito Santo” é a fala de Jesus que marca o batismo no Espírito, imergindo os seus discípulos na vida da Trindade.
Com isso, João acrescenta mais um elemento essencial à vida cristã além do “vento” ou “fôlego”; ele insere a figura da água. O batismo nas águas, símbolo do batismo no Espírito Santo, em nome de Trindade torna-se um sinal visível do ingresso na comunidade por aquele que nasceu do Espírito (At 2.38; Rm 6.3,4).
Vivemos onde Deus está inserido pelo seu Espírito. Através do recebimento do Espírito Deus está em nós. Na prática, Deus esteve entre nós em Jesus e hoje está em nós pelo Espírito. O potencial sobrenatural da ressurreição para ter a vida de Jesus em si e continuar a obra que ele outorgou a nós já foi entregue (soprado) pelo Senhor, “Recebam o Espírito Santo”, nos diz. Portanto, vivemos melhor quando convivemos entre a comunidade dos que nasceram do Espírito, aos quais ao convivermos pela fé no poder da ressurreição diariamente, aprenderemos a nos chamar irmãos e amigos, companheiros do mesmo Caminho.


[1] Texto de João 20.22,23 baseado no entendimento da versão parafraseada da Bíblia em inglês The Message: “Then he took a deep breath and breathed into them. "Receive the Holy Spirit," he said. "If you forgive someone's sins, they're gone for good. If you don't forgive sins, what are you going to do with them?Destaque para a expressão “a deep breath”, traduzida por “respiração profunda”.
[2] DODD, Charles H. A interpretação do Quarto Evangelho. São Paulo: Ed. Teológica, 2003, p.383-385.
[3] Para um estudo cristão sobre o “livro dos sinais”, ou seja, João 2 à 12 consulte “Creia em milagres, mas confie em Jesus”, de Adriam Rogers. Adriam Rogers, pastor batista nos EUA, escreveu um livro sobre os sinais relatados no quarto evangelho cujo titulo nos chama a atenção: Creia em milagres, mas confie em Jesus [Believe in miracles, but trust in Jesus] (Ed. Eclésia). O título deste livro nos chama a atenção porque indica claramente o objetivo de cada sinal realizado por Jesus no relato do quarto evangelho.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Lei e graça: antagônicos ou complementares?

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A lei ou religiosidade dos escribas e fariseus não era baseada na essencia do Antigo Testamento, ou sua Bíblia Hebraica, mas no legalismo desenfreado que construíram (conforme, Mateus 5.17-20). Tais "leis" eram menos ou mais do que as Escrituras judaicas estabeleciam. Faltava-lhes o equilibrio, a retidão e o exercício da justiça.

Quando Jesus, segundo Mateus, afirma que cumpriu a lei, significa que ele obedeceu literalmente a essência da lei. Dizer que Jesus cumpriu a lei não significa que ele anulou o Antigo Testamento, nem mesmo que ele é o ponto final de tal revelação. Mas que ele levou à cabo a revelação de Deus no Pentateuco, Profetas e Poéticos. Portanto, o Antigo Testamento tem validade para os cristãos: Jesus acreditava que o "Tanak" era palavra de Deus, revestida de autoridade.

Em outras palavras, o relacionamento entre lei e graça é possível desde que entendamos que nossa salvação independe da lei, mas Jesus não nos isenta da lei como princípios para a vida dos seus seguidores. Somos salvos pela graça do Senhor e podemos contar com os conselhos de toda a Escritura (judaica-cristã) para nossa experiência de fé. Como podemos, pois, aplicar a Lei ou o Antigo Testamento hoje? É a partir de uma hermenêutica cristocêntrica que podemos estudar e obedecer plenamente a mesma Lei (em essência) que Jesus obedeceu.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Ao pregador e professor cristão

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Jonathan Edwards disse: "Penso ser minha obrigação elevar as emoções de meus ouvintes o mais alto possível, desde que tais sentimentos estejam vinculados a nada mais que a verdade, e que não estejam em desacordo com a natureza daquilo a que estão afeiçoados". Ele pronunciou tais palavras quando fora criticado por fazer parte dos movimentos emocionalistas de seu tempo. Em parte, é até esperado que num reavivamento espiritual como o da época de Edwards as pessoas sejam envolvidas pela verdade de Deus em suas emoções, além do aspecto cognitivo e intelectual da fé. Para Edwards era impossível desassociar uma pregação profunda e doutrinária com o alcance das emoções do ser humano.

Anos depois de Edwards, Charles Spurgeon, considerado como "Príncipe dos pregadores" disse ser improvável que alguém que conheça a Bíblia profundamente não seja afetado por ela em todas as dimensões como ser humano: "Nada faz um homem mais virtuoso que a crença na verdade. Uma mentira doutrinária irá logo produzir uma prática mentirosa. Um homem não pode ter uma crença errada sem em algum momento futuro ter uma vida errônea. Eu creio que uma coisa naturalmente leva à outra". A pregação de profundidade é necessária para que as igrejas locais sejam edificadas e fortalecidades na verdade.

Edwards afirma que "‎se um ministro tem luz sem calor, e entretém seu auditório com discursos eruditos, sem o sabor do poder da piedade, ou sem qualquer manifestação de fervor de espírito, de zelo por Deus e pelo bem das almas, ele pode gratificar os ouvidos de seu povo com coceira e encher sua mente com noções vazias [...] E se, por outro lado, ele for impulsionado por um zelo ardente e excessivo, por um calor veemente, mas sem luz, ele provavelmente acenderá uma chama não santificada em seu povo, inflamando suas paixões e afeições corruptas; mas nunca os fará avançar, nem os conduzirá um passo em direção ao céu, mas os conduzirá rapidamente em direção oposta".

Portanto, o pregador e professor cristão deve(m) ter calor e luz em sua vida. Tais elementos devem aquecer e iluminar seu povo. Sua obra primordial é levar luz à mente e calor ao coração. Ao estimular e inspirar com sua vida e tarefa as mentes e sentimentos das pessoas, certamente as conduzirá à transformações significativas e em mudanças de seus comportamentos. O compromisso de expor a Verdade com autenticidade é indispensável ao pregador e professor cristão.

"Prega a Palavra" [...] "o que ensina, ensine".