sexta-feira, 18 de abril de 2014

O verdadeiro Noé

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Felizmente, as pessoas lúcidas sabem bem que o Noé bíblico é diferente do filme. Óbvio. Quem espera achar no filme de Darren Aronofsky e do mente brilhante algum aspecto escriturístico basicamente prova sua ingenuidade. Outra coisa, os cristãos deveriam saber que o mundo, isto é, os não-regenerados, não é/são obrigado/s a adaptar a Bíblia com maestria e eficácia. Isso deve ser tarefa da igreja cristã. Nós é que devemos pregar fielmente a Bíblia. Fidelidade ao texto bíblico, por certo, é o que tem sido difícil de encontrar neste fragilizado meio religioso chamado evangélico no Brasil. O crente brasileiro é muito confuso. Sem identidade própria. Ou pior, a atitude que lhe confere alguma identidade própria é usar a opinião dos outros como se fosse sua. Falta boa teologia na construção do pensamento do cristão tupiniquim, ou seja, mais do que cultura bíblica (conhecer os textos bíblicos). Já não temos boa cultura bíblica, imagine Teologia cristã, canônica e equilibrada (saber o que os textos significam e suas relações entre testamentos). Infelizmente temos de usar de generalizações, mas não são todos os grupos cristãos assim. 


O filme Noé acerta em seus objetivos cinematográficos: primeiro, ao criticar os fundamentalistas de cabeça obsoleta; segundo, ao fazer um contraponto entre fundamentalistas religiosos e humanistas obcecados; terceiro, ao distrair os que dizem conhecer a Bíblia com discussões fúteis que tiram os olhos das coisas verdadeiramente importantes, como o discipulado, o batismo, a vida em comunidade, o ouvir atento seus líderes que zelam por sua alma. O filme acertou em cheio nisso. Verdade é que muitos cristãos estão assumindo para si na vida real o fundamentalismo cego, intolerante e ignorante retratado propositadamente no personagem Noé de Russell Crowe. O cristão convicto e atento que vê/lê nas entrelinhas, vai além da estética/imagética e da pegadinha bíblica aparente: sabe que ser cristão é ser diferente daquele "herói" retratado no filme. O nome técnico para o que a direção do filme faz é “releitura”. Quem analisa as obras de arte (seja música, pinturas, filmes ou exposições) sabe muito bem o que significa “releitura”, e ligeiramente não se engana por elas como se fossem a realidade, especialmente aquelas que tocam aspectos do imaginário de sua fé. Hoje em dia temos releituras feministas da Bíblia e releituras de minorias. Sempre usando o texto a seu bel prazer. O filme critica, com uma releitura ficcional exatamente isso. O fundamentalista religioso é incapaz de modificar sua vida sem Deus, ainda que fale com Deus ou sobre religião. 

Hoje há uma tendência de transformar literatura em filme. Todo mundo sabe disso. Não há melhor exemplo que Crônicas de Nárnia. Estou para conhecer alguém que leu tais livros de C.S. Lewis que não ache que o filme é muito menos do que sua imaginação pôde conceber na leitura. No caso de Noé, o maior escândalo é gente que não leu direito ou nunca leu a Bíblia. Se for crente ou membro de igreja, deveria ter lido. Um filme nunca vai substituir um livro. Especialmente, um livro clássico. Imagine se falarmos, de o livro, a Bíblia. Mel Gibson fez isso: tanto em Paixão de Cristo, quanto em Apocalypto. Colocou-nos num mundo épico a partir de dados literários, históricos e arqueológicos, estimulando nossa imaginação. Todo livro que vai para as telintas passa por uma releitura e uma reconstrução narrativa peculiar.

Certamente há alguns benefícios que filmes bíblicos, épicos/históricos ou de ficção trazem para nós. O benefício da imaginação. Você sabia que o design da arca do filme foi projetado com as medidas originais e com as pesquisas bíblicas/arqueológicas de ponta na atualidade? Você sabia que, segundo o irmão especialista Adauto Lourenço, há a hipótese de que os animais da arca foram levados a dormir durante o período do dilúvio? Você já tinha imaginado isso? E as repartições da arca entre as espécies, para que feras não engolissem pássaros? E o retrato de pássaros que não existem mais, mas na época da arca existiam? Você conseguiu sequer imaginar? (Até porque tais pássaros, como o pássaro Dodô, nem existem mais devido a extinção). Até quando o diabo vai ser o protagonista principal no imaginário cristão? Tem coisas muito importante para se imaginar a partir do texto Sagrado e auxiliar na construção do entendimento/relacionamento do/com Altíssimo. Filme por filme, tenho certeza que muita gente viu o "Todo-Poderoso 2", com Steve Carell e nem ficou polemizando tanto assim quanto a representação deste Noé mais “moderno". Deve ter dado boas risadas e pronto. Por que não causou tanta polêmica? Simplesmente, porque em 2003 quando Evan Almighty foi lançado, as pessoas tinham mais vergonha de se expor ao ridículo e menos tempo de internet. Talvez até soubessem mais a Bíblia. Na verdade, o facebook só foi lançado em 2004. Lógico que não é o facebook a causa do problema.


O que se requer das pessoas chamadas evangélicas é que leiam a Bíblia e estudem-na com profundidade. E que falem quando tiverem convicções. Se não, que não falem. O diretor de Noé não será cobrado por fidelidade bíblica. Os membros das igrejas cristãs sim, esses o serão cobrados por exatidão bíblica. Irmãos saiam de qualquer discussão inútil e infrutífera. Expor um assunto requer-se lógica bíblica e canônica; compromisso com Deus e com a verdade; seriedade exegética no intelecto e temor na alma. É requerido amor da parte do cristão não religioso, mas discípulo de Cristo, ao observar que o meio gospel de hoje é um atoleiro pantanoso, criado pelos seus próprios apóstolos, profetas, patriarcas e semi-deuses. Esses sim, bem poderiam ser retratados como pedras, visto que seus corações já se empederniram de sua própria arrogância. São corações de pedras tão rochosas que nem carecerão de um moinho pendurado ao pescoço para se lançarem do precipício por fazerem tantos pequeninos tropeçarem na fé. 

Alguns apontaram incoerências no filme. Se comparado com a Bíblia, simplesmente, um ateu/agnóstico/panteísta/materialista/deísta/teísta sem qualquer perícia em crítica literária poderia fazê-lo. Assim como alguém que domina os estudos shakeaspereanos e assiste o trágico “Sheakespere apaixonado”. Ou quem leu e releu Hobbit e Senhor dos Anéis e percebeu que tanta coisa que estava nos livros não chegou nem perto nos filmes. Tolkien já achou uma heresia transformarem sua obra do “Novo Hobbit”, como chamava, em três tomos, imagine se ele visse os filmes que fizeram de seu majestoso trabalho? Alguns lembram-se do famoso filme sobre Os 10 mandamentos, de Cecil DeMille (1956). Nem mesmo esse aclamado filme é baseado totalmente na Bíblia. DeMille já tinha inovado em 1949 apresentando Sansão e Dalila, assim como a minissérie The Bible com suas omissões e adaptações. Isso sem falarmos que a própria tradução bíblica do hebraico para o português possuí demandas de incongruências. O cinema não é, nem nunca foi, nem será o lugar para se adquirir profundidade e sabedoria bíblica. 

Incongruência não é um filme de Hollywood (isso significa vislumbre de cifras) fazer um filme supostamente bíblico não ser fiel. Incongruência é alguém que diz ler a Bíblia e se autodenominar apóstolo. Incongruência é alguém dizer que um fenômeno lunar é sinal de volta de Cristo. Afeta pessoas altamente sugestionadas com puro marketing para seu ministério. Incongruência é pregar restituição, quando a Bíblia deixa claro que somos pecadores e não há nada que restituir, uma vez que fomos destituídos da glória de Deus. É muito triste alguém acreditar que Deus tem o dever de restituir qualquer coisa a pecadores rebeldes. No mínimo, um pensamento pequenino, visto que a proposta bíblica, verdadeira e espiritual é que Deus faz novas todas as coisas. O conceito de restituição na Bíblia é para o ser humano realizar, no contexto de perdão/perdoar (dica: leia Arrependimento, de Richard Owen Roberts). Incongruência é ver políticos que se dizem cristãos estarem no meio de corrupção e esquemas eleitorais, alguns usando o púlpito para promover sua ideologia política (sem resultados). Incongruência é na vida real os supostos chefes de comunidades usarem de linguagem religiosa, e simbolicamente persuasiva, mexendo com o ego das pessoas para entreter e entrelaçar o dito povo de Deus aos seus propósitos religiosos. “Você é um Mestre!”, dizem. “Você pode mais!”, afirmam. “Seja um líder de sucesso”, insistem. Linguagem típica dos propagandistas sofistas da época do apóstolo Paulo, especialmente no solo de Corinto. Foi também a linguagem dos profetas da paz, opositores a Jeremias, o profeta verdadeiro do Senhor na época da invasão Babilônica. Resultado: foram destruídos. Ananias morreu fulminantemente, juízo do Senhor. Incongruência é: os mesmos que criticam avidamente qualquer coisa, como um filme, a vida dos outros, etc, são os que fecham suas cabeças para uma espiritualidade sólida, bíblica e bem dirigida pela Palavra seguindo vãs repetições. 

Um dia fui escrever sobre o filme Noé, mas achei desnecessário. Apaguei e nem mais entrei em facebook. Mas hoje escrevi porque causa de mais comentários insossos e para dar uma excelente dica: compre um livro simples, mas poderoso de James Innell Packer chamado O Conhecimento de Deus. Gaste seu tempo lendo este livro e comparando com os textos bíblicos. Releia este livro. Leia e releia a Bíblia. E quando quiser relaxar, vá no cinema espairecer. Faz parte da vida. Alguns preferem Sherlock Holmes como eu. Outro, épicos. Filme é filme. Bíblia, é Bíblia. O que vale é manter a mente lúcida para servir a Deus sem as interferências externas que confundem o verdadeiro evangelho.